Sempre adorei RPG. Eu digo o RPG de mesa mesmo: Papel, lápis e dados. A quantidade de histórias fascinantes e memoráveis que são criadas numa sessão de RPG de mesa é incrível e inacreditável – redundância mais-do-que-necessária – podendo as vezes fazer frente às grandes histórias narradas em outras mídias.
Mas é de se pensar como é pesada a vida de um aventureiro de fantasia medieval, não? Vivendo à esmo, viajando por estradas, enfrentando as mais terríveis criaturas, salvando mundos. Chafurdando em calabouços e labirintos naturais, em busca de glória, tesouros e fama. Darkest Dungeon se apoia justamente nesse questionamento e tece uma hipótese – um “talvez” – de como esse tipo de vida seria estressante e de como este preço seria cobrado.
O jogo já tem um ano (um pouco mais, na realidade) desde que foi lançado.
O clima de ansiedade, suspense e pânico é tão forte quando se joga Darkest Dungeon que ele chega a ser tátil, palpável. A começar pela história, que bebe direto dos contos de terror Lovecraftiano: Um nobre, entediado de sua vida luxuosa e luxuriosa, descobre uma antiga lenda sobre a gigantesca propriedade onde a mansão opulenta repousa. Gastando todos os esforços e dinheiro na empreitada de achar essa lenda, algo terrível acontece. O que aconteceu com o Nobre e o que foi achado será descoberto por você, um parente distante e único herdeiro da coisa toda. Veja bem, você, jogador, não é um personagem: Você é quem controla todo o jogo por fora (já vamos falar nisso) e comanda as decisões do que acontece e deixa de acontecer na antiga propriedade da família.
Conforme você entremeia essas dungeons, seus personagens descobrem antigas páginas de diário que vão, a conta gotas, contando mais o que aconteceu em cada um dos lugares visitados e o que aconteceu, de modo geral, ao lugar. Ainda mantendo a fórmula a conta gotas, pequenos trechos de um monólogo narrado pelo “nobre desaparecido”, tal qual entradas num diário, quando um chefe ou novo inimigo é encontrado, dão pequenos pareceres sobre a história. Embora narrativas como estas possam ser mais atraentes para uns, pode afastar alguns. A história em si é até surpreendente e boa, mas nada além disso. Para esse tipo de jogo, uma narrativa mais direta talvez fosse indicada.
O lado artístico, bem dark e soturno de Darkest Dungeon fica claro (com o perdão da antítese), é remetente ao clima desesperador instalado pelo cenário e narrativa do jogo. Disse antes, mas não custa dizer novamente: O terror lovecraftiano, aquele em que você sabe que nada mais vai ser como antes e nada mais será bom, dali em diante, é refletido brilhantemente na escolha visual dos personagens e na trilha sonora desse jogo. Os sprites dos personagens, todos com sublinhados negros, densos e sombrios, marcando uma incrível – e proposital? – propensão daquilo em não dar certo. Perturbador, por vezes, Darkest Dungeon te põe cara a cara com criaturas de que esfacelam toda a sua noção do verbete “monstro” e cenários não-originais revistos de forma bem interessante. Se você não gosta de porcos, é melhor se preparar.
Darkest Dungeon, assim que é iniciado, lhe dá um aviso: “(…) é um jogo sobre tirar o melhor das piores situações”. Acredite, ao aceitar jogar Darkest Dungeon, você estará se metendo no RPG mais deliciosamente difícil e injusto que você já jogou na sua vida. Há dois momentos muito distintos em Darkest Dungeon e, embora distintos, são cíclicos e auto complementares. O primeiro deles é a fase de manutenção da sua base. Momento mais raso e talvez desenvolvido de uma forma simples, é nesta fase de jogo que, com os recursos coletados nas incursões aos labirintos, você melhorará suas instalações e organizará de forma geral seus aventureiros.
O segundo momento, o mais importante, é o de exploração de dungeons. Em sidescrolling, sua party comporta até quatro membros de dezesseis classes de personagens diferentes. Embora muitas delas sejam revisões de classes já consagradas do gênero, como o Crusader (um paladino, ou quase isso) e a Vestal (uma clériga), algumas classes originais chamam muito a atenção, como o Abomination, uma espécie de meio-monstro. Com a party, você explora vários labirintos, completamente procedurais, com diversos perigos, monstros e curiosidades – mas, que as vezes, pode ser enfadonho e muito repetitivo. O combate é por turnos e o posicionamento dos personagens é extremamente importante, uma vez que golpes possuem um alcance fixo, variando de ataque para ataque.
Até aí parece um jogo bem comum, certo?
Darkest Dungeon está longe de ser “comum”. O sistema de aflições do jogo é uma ode ao escritor de horror inglês, lembrando vários jogos de tabuleiro baseados em Call of Cthulhu: Conforme seu personagem explora, interage – ou trocando em miúdos, se ferra – nos labirintos, ele acumula níveis de estresse. Quando atingindo um determinado valor, seu personagem é acometido por alguma aflição: Pode se tornar histérico, maníaco, depressivo, abusivo, entre várias outras aflições, cada uma portando diálogos e efeitos próprios! Mesmo dando a sorte da sua possível aflição ser revertida no momento de virtude, portando efeitos positivos, não dá para contar com isso acontecendo, tornando o estresse um recurso extremamente importante a
ser gerenciado, junto do tradicional HP. Claro que alguns personagens possuem formas de recuperar estresse (bem fraquinhas, diga-se de passagem) e que, em missões de maior duração, você pode acampar nas dungeons – que aliás, é quase um minigame dentro de si – mas ainda assim, o estresse, por vezes, é mais vital que o próprio HP.
O jogo tem permadeath: Seus personagens, caso morram, morreram para sempre. Isso cria um pouco de dificuldade para novatos, que mesmo no modo Radiante (algo equivalente a um Easy mode-pero-no-mucho), vão encontrar dificuldades, por vezes injustas, como os quirks (pequenas características positivas e negativas) que seus personagens adquirem no fim de cada expedição. É totalmente aleatório e o único controle que se tem sobre eles é a remoção dos ruins e a fixação dos bons. Poderia haver uma forma mais interessante e divertida de se adicionar estes elementos.
Aliás, a Redhook, desenvolvedora e Publisher do jogo, está de parabéns pelo suporte dado ao jogo. Um pouco mais de um ano de lançamento e Darkest Dungeon continua recebendo atualizações frequentes e, ainda este ano, terá uma expansão: The Crimson Court, que já trará um novo herói
Darkest Dungeon é um jogo que você tem que passar longe se estiver muito (mal) acostumado às facilidades que a indústria impôs hoje. Darkest Dungeon é, como sugere o título, cruel, escuro e muito imperdoável. O jogo vai te lançar a mercê da miséria e da tensão de perder personagens que você investiu tempo, dinheiro (e amor) o tempo todo. Mas, se você tem uma veia hardcore (e masoquista), ama RPGs com uma pegada mais clássica e gosta do clima lovecraftiano, você vai amar.
NARRATIVA -8,5
AUDIOVISUAL – 9,0
MECÂNICA – 9,5
NOTA FINAL – 9
Review feito com código fornecido pela Red Hook.
Versão de PC