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Review feito pelo Keyblade Master Samuel Rohling

Kingdom Hearts III é uma obra extremamente difícil de analisar. Por um lado, minha emoção como fã da série fala bem alto, tornando o que é bom ÓTIMO e o que é ruim PÉSSIMO. Por outro, é preciso olhar de maneira imparcial. É, apesar do nome, o décimo segundo jogo (desconsiderando inúmeras coletâneas, relançamentos, remasterizações…) de uma franquia que já tem mais de quinze anos. Eu acompanho a série desde o primeiro jogo, e tenho comprado religiosamente cada novo lançamento, em cada um dos diferentes consoles – o motivo de eu ter comprado um PSP foi Kingdom Hearts Birth by Sleep. E FF7 Crisis Core. Como eu queria um relançamento em HD de Crisis Core… Mas enfim, voltando ao assunto. Por isso, posso dizer que tenho certo conhecimento sobre a série e a sua história – e quando digo “história”, não quero dizer a trama do jogo, e sim a história do desenvolvimento mesmo.
Vou poupar o querido leitor dos detalhes, que podem ser facilmente encontrados na internet caso você tenha interesse, mas basta dizer que a série sofreu muito durante os anos, com mudanças de time de desenvolvimento e um diretor envolvido em muitos projetos ao mesmo tempo. Junte isso ao fato de que a série trabalha com diversas franquias da Disney, a maior gigante do entretenimento mundial de hoje, e você pode imaginar o inferno que deve ser ter desenvolvido Kingdom Hearts III. Tudo isso não perdoa, porém, os tristes erros que este jogo comete, o que o torna uma obra desequilibrada.
Vamos lá. Para os não iniciados, Kingdom Hearts é uma série de RPGs de ação da mesma produtora de Final Fantasy, no qual um grupo de heróis de cabelo espetado se juntam a Donald, Mickey e Pateta para explorar mundos da Disney em um universo em perigo nas mãos dos vilões mais mirabolantes e com os planos mais sem pé nem cabeça da história dos RPGs. E isso não é uma crítica – Kingdom Hearts, o primeiro, é um jogo leve, de aventura, que conta a história de Sora em uma jornada para reencontrar seus amigos. Desnecessário dizer que com o lançamento de cada novo jogo a história foi se expandindo, e anos se passaram até que, uma dúzia de jogos depois, temos a conclusão da saga em Kingdom Hearts III.

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Sora, Donald e Goofy retornam em Kingdom Hearts III, assim como uma tonelada de outros personagens da série.

Vamos tirar logo do caminho uma coisa: o jogo é estupidamente LINDO. Os visuais são impressionantes. Cada mundo visitado é muito detalhado, e você realmente se sente dentro de um filme do Toy Story ou de Monstros S.A. neste aspecto. Não há uma sombra de dúvidas que este é um jogo espetacular na parte visual. O mesmo pode ser dito da trilha sonora – Yoko Shimomura é a responsável pelas músicas da série, e mesmo alguém que deteste Kingdom Hearts precisa admitir que as músicas são incríveis. Um tema em específico, de uma das últimas batalhas do jogo, é um remix de várias músicas anteriores da série, e é ESPETACULAR.
As atuações dos atores nas vozes dos personagens também são, em sua grande maioria, bem satisfatórias. Algumas são perfeitas e completamente acima da média para um videogame, como Hades, vilão de Hercules, e Rex, o dinossauro de brinquedo de Toy Story, e Olaf, o boneco de neve de Frozen (que contam com seus dubladores originais dos filmes da Disney, algo que acontece com muitos dos personagens do jogo). Outras vozes são claramente de atores diferentes do material original, e embora isto não seja ruim por si só, deixam a desejar (como a voz de praticamente todo mundo do pessoal de Piratas do Caribe).

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Sora no quarto do Andy, no mundo de Toy Story, recriado perfeitamente nos mínimos detalhes com base nos filmes.

Quanto ao gameplay, a maior parte do tempo que você vai passar em Kingdom Hearts III será em combate, e se você já jogou qualquer coisa da série, sabe o que esperar. As batalhas são em tempo real, e Sora conta com o maior número de opções que a série já deu. Além dos combos com a Keyblade, o jogador tem acesso a magias, invocações, ataques especiais em grupo com Donald, Pateta e qualquer outro personagem que esteja na equipe, outros ataques especiais poderosíssimos, além de combos sensíveis ao contexto – Sora pode pular de paredes, rodopiar ao redor de postes, etc. Além de tudo isso, a melhor parte são as transformações da Keyblade, uma novidade deste jogo. Cada uma das Keyblades disponíveis se transforma em armas diferentes – a obtida no mundo do Hércules, por exemplo, se transforma em um escudo que torna o combate bem mais defensivo e focado em contra-ataques.
Tudo isso seria lindo se o jogo não fosse estupidamente fácil. Todas estas opções de combate acabam ficando sem nenhum sentido estratégico pois o dano que Sora dá sempre é muito alto, o dano que recebe é baixo, e os ataques especiais não tem custo algum e são muito comuns e fáceis de executar. Eu joguei no modo mais difícil, nunca parei para subir de nível (apenas fui derrotando os inimigos que apareciam naturalmente), e terminei o jogo INTEIRO sem ver a tela de Game Over. É isso aí – um RPG de ação inteirinho, 36 horas, sem morrer uma única vez. Tudo bem que estou acostumado com a jogabilidade da série, e jogo muitos jogos do gênero, mas não sou nenhum mestre dos videogames, daqueles que faz speedruns de 2 horas no level 1 sem usar itens e sem ser atingido. Sou um jogador normal, que até hoje não derrotou todos os chefes secretos de Kingdom Hearts II, mas KH3 não apresentou nenhum desafio. Espero que isso seja rebalanceado em um fututo patch.
O problema é que essa dificuldade baixa é sinal de uma coisa que eu desconfio que tenha acontecido em Kingdom Hearts III – o dedo da Disney. Este é um jogo que parece bem mais influenciado pelo rato imperador da indústria do entretenimento do que os jogos anteriores. Afinal, pra que fazer um jogo da Disney com uma dificuldade alta? Esse dedo da Disney no jogo pode ser visto em várias áreas, e aí começa o meu maior problema com Kingdom Hearts III.

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Disney: ao mesmo tempo a melhor e a pior parte de Kingdom Hearts III.

O maior charme de Kingdom Hearts é a união de Final Fantasy e Disney. O que mais me atraía nos jogos anteriores era rever as histórias da Disney, novas e antigas, recontadas sob um ponto de vista de um universo interligado, no qual vilões e heróis de um RPG japonês influenciavam as histórias. Em Kingdom Hearts II, Xaldin rouba a rosa de A Bela e a Fera. Em Kingdom Hearts, o rei Tritão de Atlântida conhece a Keyblade. Em Kingdom Hearts Birth by Sleep, Aqua ajuda o príncipe a derrotar Malévola e resgatar a Bela Adormecida. Já em Kingdom Hearts III, na maior parte do tempo, Sora apenas vê as histórias se desenrolarem e não tem um papel principal que deveria ter. Em muitos mundos, lugares icônicos dos filmes nem são acessíveis, como o castelo de gelo da Elsa em Arendelle, que você só vê de longe.
Não vou dar nenhum spoiler aqui, mas alguns dos mundos contam as histórias originais dos filmes, e a trama de Kingdom Hearts praticamente não tem influência alguma. Outros mundos fazem o completo oposto, e trazem histórias originais, nas quais Sora e a Organização XIII acabam tendo pouca ou nenhuma influência no resultado. Um mundo se destaca positivamente neste aspecto e traz uma história realmente interessante e que se conecta perfeitamente com a trama de KH3 e com a história do filme original, mas é uma gota de água doce em um oceano de decepção nesse aspecto.
Outro problema fortíssimo do jogo é o ritmo. O jogo começa forte, com um prólogo muito bom no mundo do Hércules. A partir dali, você vai passar 20 horas pulando de um mundo ao outro, para que, depois de tudo, passe umas 6 horas numa sequência de história e de mil chefões que irão terminar a história da saga. Não que a conclusão da saga seja ruim – ela tem problemas, alguns bem grandes, mas no geral eu fiquei satisfeito. O problema é que tudo acontece ao mesmo tempo, no final do jogo, e o jogador não tem tempo de absorver o impacto emocional de uma cena que já é jogado em outra em seguida, e no fim das contas pouca coisa tem o resultado que deveria na narrativa.

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Mestre Xehanort, o vilão da saga. Com essa barbicha e essa expressão no rosto, ninguém desconfiaria que ele seria maligno.

Resumindo, o jogo é mal escrito. As ideias para o final de cada uma das várias histórias dos personagens até são boas, mas é tudo apressado e com um ritmo que joga tudo na cara do jogador de uma vez só. O nível dos diálogos também caiu bastante em relação aos jogos anteriores – Kingdom Hearts sempre teve esse clima mais descontraído e nunca se levou muito a sério, mas tinha um certo charme. Neste jogo, existe um desequilíbrio bem grande nesse sentido. Alguns diálogos são excelentes, principalmente de alguns vilões específicos, mas no geral a qualidade caiu bastante. A história, portanto, divide os fãs. Ela não é necessariamente ruim, mas é muito, mas muito mal executada. Algumas cenas vão de encontro às emoções de quem acompanhou a série por 15 anos, enquanto outras são mal elaboradas e mal escritas e deixam a sensação de oportunidade perdida.
Toda esta história é contada em cutscenes intermináveis. Acho que este é o jogo que eu mais assisti cenas na minha vida. Muitas delas são importantes, lindas e muito legais, enquanto outras são longas demais, e no fim das contas, em muitos momentos, você mais assiste do que joga. Kingdom Hearts III, além de tudo isso, ainda começa a plantar as sementes da futura saga da série, com personagens, mistérios e dicas do que virá pela frente. Este jogo deveria ter se focado apenas em completar a trama, mas passa tempo demais com cenas que provavelmente só farão algum sentido daqui uns 5 anos, quando o próximo jogo da série for lançado.
Por fim, resolvi dedicar um parágrafo para a Gummi Ship, sempre um ponto polêmico dos jogos. Em Kingdom Hearts III, a Gummi Ship é altamente opcional – o jogador pode voar reto de um mundo a outro sem fazer praticamente nada no caminho e ignorar completamente que esta parte do jogo existe. Se quiser, porém, poderá explorar um espaço até bastante vasto, com vários desafios, e eu acabei gostando bastante do resultado final. Para o pessoal que curte Star Fox e jogos do gênero, talvez a Gummi Ship de Kingdom Hearts III seja uma boa surpresa.

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A Gummi Ship retorna em sua melhor participação da série até agora. O que não quer dizer que é algo maravilhoso, mas é uma evolução bem grande em relação aos jogos anteriores.

Se você for fã da série, você provavelmente já deve ter comprado e terminado o jogo de qualquer maneira, mas se não o fez, faça. Você já veio até aqui e precisará ver a conclusão da história. Se você nunca jogou nada de Kingdom Hearts e achou KH3 interessante porque viu um trailer com o Donald falando com o Olaf, pare agora mesmo: Kingdom Hearts III não é um jogo para iniciantes, e não será aproveitado por quem não jogou os outros. É como se amanhã saísse Homem de Ferro 4 no cinema e você nunca assistiu Homem de Ferro 1, 2 ou 3. Ou Capitão América Guerra Civil, ou Vingadores 1, 2 ou 3. Kingdom Hearts III é um jogo que demanda um conhecimento anterior para que seja aproveitado, mesmo que este aproveitamento, no fim das contas, seja bastante questionável.
Depois de tudo isso, ainda devo dizer que gostei de Kingdom Hearts III. Terminei o jogo dois dias depois do lançamento, com 36 horas de jogo, e terminei praticamente todos os desafios do pós-jogo no dia seguinte (são bem poucos, o menor número que a série já viu, o que é uma pena). Foi uma jornada que teve altos e baixos, com um combate divertido, visuais magníficos, música espetacular, e uma história com uma conclusão que teve momentos muito doces mas acabou deixando um gosto ruim na boca.

Narrativa: 5.0
Mecânica: 8.0
Audiovisual: 10.0

MÉDIA: 7.7

Versão de Playstation 4