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REcordando

    O ano era 1998. Enquanto milhares de jovens brasileiras se esguedelhavam por causa do DiCaprio a bordo de um barcão nas telonas, uma parcela dos jovens, os gamers, iriam desviar sua atenção para um outro protagonista portador do “undercut anos 90” nas telinhas: um tal de Leon S. Kennedy. Eu iria fazer parte desse grupo e, como fã de Resident Evil, mal pude acreditar quando meu amigo Maciel me mostrou o box do jogo Resident Evil 2, sequência do hit Resident Evil de 1996, recém adquirido. Tantas perguntas! Que bicho pelado com o cérebro de fora era aquele na parte de trás da caixinha? O jogo vinha em dois discos, um para cada personagem? O que era esse tal de Zapping System? TEM UM JACARÉ GIGANTE NO JOGO?
Tudo isso coroado com uma citação entre aspas de uma publicação de uma revista especializada da época: “The Gaming Event of 1998. Nothing Else Even Comes Close” – O evento de jogos de 1998. Nada mais nem mesmo chega perto.
Impossível não se empolgar.
E quão satisfatório foi constatar depois, que essa empolgação tinha sido totalmente justificada, já que ao poder finalmente jogá-lo, ele não só se tornaria o meu Resident Evil predileto como um dos meus jogos preferidos de todos os tempos. Até hoje.
Avançamos 17 anos no tempo e em 2015 finalmente a Capcom se pronuncia a respeito de um remake do game, confirmando o desenvolvimento e dando fim a longa espera dos fãs de RE2 que aguardavam o mesmo tratamento dado a recriação do RE original para o Gamecube, em 2002.
Avancemos por mais 3 anos de puro silêncio da produtora e angústia dos fãs até que finalmente na E3 de 2018, durante a apresentação da Sony no evento, pudemos ter um primeiro contato visual de como o jogo seria e de “gruja”, até mesmo a data de lançamento. Euforia total.
Hoje, com o jogo finalmente nas mãos dos fãs de longa data da série assim como nas dos novatos, será que é possível confirmar se o hype e a longa espera valeram a pena?
Resposta curta: sim. Resposta longa: vamos lá

REcriando

    RE2 de 2019 é indubitavelmente um remake em todos os sentidos. Se começarmos as comparações entre as versões pelas diferenças, podemos iniciar pela mais óbvia, que é o visual. RE2 utiliza o mesmo motor gráfico utilizado em RE7, a RE engine, que preza por apresentar gráficos mais fotorealistas. A engine já provou sua qualidade em RE7, porém há um deleite adicional em poder revisitar as localizações do RE2 original e revê-las apresentadas de forma mais detalhada e verossímil. Os personagens também receberam uma reinvenção completa, desde os modelos físicos até os dubladores. Os modelos finais dos personagens continuam causando um certo estranhamento (algo já visto no modelo da personagem Mia, em RE7, principalmente nos olhos). Aqui, no caso foi o da Claire, que além de ter tido como base uma modelo com a fisionomia completamente diferente da da personagem clássica, por algum motivo nas cutscenes aparenta estar sempre com a expressão de alguém que acabou de chupar um limão. Em contrapartida Ada está perfeita, com acerto tanto na modelo utilizada quanto na dublagem. É, de longe, a melhor representação da personagem na série. Mas obviamente isso é apenas uma opinião pessoal.
Um fator que auxilia na contemplação dos gráficos é a câmera, a segunda diferença mais óbvia na comparação com o game original. Aqui, adotou-se a câmera por sobre o ombro, implementada a partir do quarto título da série e permanecendo até então (exceto em RE7). Mesmo incitando a cólera dos fãs mais conservadores da série, que defendiam o retorno da clássica visão “câmera de segurança” da trilogia original, a decisão final mostrou-se totalmente acertada, já que além de aprimorar a visibilidade dos cenários como supracitado, a nova perspectiva aproximou o terror do jogador, tornando a experiência mais intimista. Ser pego por zumbis agora resulta em um close na ação onde se é possível notar toda a beleza dos detalhes de seus corpos dilacerados e putrefatos enquanto eles cravam seus dentes no seu lindo pescocinho. Coisa boa.
Para fugir de ser uma cópia carbono do original, diversas outras mudanças foram implementadas, porém algumas, por serem mais sutis, talvez sejam apenas percebidas por aqueles que tiveram contato com a obra original. Mudanças como certos eventos do game, que foram incluídos, retirados e até mesmo tendo sua ordem de aparição alterada, como os segmentos do orfanato e até mesmo a introdução, que contam com áreas totalmente inéditas.
Outra mudança mais notória talvez seja o modo como Mr. X é introduzido no game. O T-00, um Tyrant da série T-103, que aqui tem a aparência de um Dolph Lundgren cinza e de fedora (boa sorte ao tentar enxergá-lo de outra forma daqui pra frente), no original somente dava as caras nos cenários B, em busca do pingente de Sherry Birkin e em dar cabo de qualquer oficial do Departamento de Polícia de Racoon City, incluindo nossos protagonistas. Aqui ele aparece em todos os 4 cenários, fato que claramente demonstra que a Capcom não quis segregar o brutamontes apenas aos modos secundários “escondidos” , já que como pôde ser confirmado pelo seu enorme sucesso pela internet afora, sua presença e função no jogo é parte fundamental da experiência que é jogar RE2 remake.

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“Boa noite. A srta. tem um minutinho para ouvir a palavra da Umbrella?”

E já que estamos falando dos segundos cenários, ou cenários B, uma crítica a ser feita ao compará-los com a sua implementação no game original: se antes a experiência de se jogar o segundo cenário era fortemente influenciada pelo seu gameplay no primeiro cenário (o sistema zapping já citado), aqui a influência é praticamente nula e inclusive, eventos pré determinados no primeiro cenário que deveriam serem representados no segundo cenário, também foram completamente ignorados.
Pra você que está boiando com essa história toda de primeiro cenário, cenário B, sistema zapping, etc., uma  breve tentativa de explicação:
No game original, os cenários A jogados com ambos protagonistas, compartilhavam basicamente a mesma rota, com exceção de alguns segmentos, diferentes bosses e diferentes companheiros na campanha. Ao terminar qualquer cenário A, você desbloqueava o cenário B, que consistia na possibilidade de jogar outra campanha com o segundo protagonista, AO MESMO TEMPO em que o primeiro vivenciava sua história.
Por si só, esse já era um conceito interessantíssimo, mas o que o tornava genial era o fato de que certas ações e decisões que você tomava no primeiro cenário eram carregadas para o segundo cenário e vivenciadas de acordo: certos puzzles já resolvidos assim permaneciam para segundo personagem e até mesmo itens pegos ou não no cenário A, estavam presentes ou não em seus respectivos lugares ao jogar o cenário B.
Foi uma mecânica deveras original e inteligente que, pelo menos até onde sei, jamais foi replicada.
O remake manteve os cenários B, porém toda a influência do gameplay do cenário A (pré determinada ou de ação própria do jogador) fora limada e se analisadas mais profundamente, as mudanças não fazem sentido nem mesmo de maneira cronológica, se considerarmos que os eventos se passam ao mesmo tempo que o cenário A.
Faltou um pouco de atenção dos produtores nesse sentido e embora seja um recuo em relação ao original, não chega perto de ser um detalhe que comprometa a experiência.
Ainda sobre alterar a experiência, dessa vez de forma positiva, podemos apontar a nova perspectiva, que além ter trago o jogador mais pra perto do horror como já citado, influenciou diretamente a dificuldade do jogo e seu gameplay.
No original, os tiros na cabeça dos zumbis eram sempre tratados como mais danosos (quando não eram críticos). Isso porque havia uma troca entre risco e recompensa: acertar um tiro na cabeça significava ter que deixar o inimigo se aproximar demais do personagem, já que este dispunha de apenas três ângulos de mira dentro de seu próprio eixo: alto, médio e baixo, o que significava um abate mais rápido e por conseguinte, economia de munição. Porém também podia resultar em mordidas caso houvesse falha.
O remake jogou essa regra pela janela, já que não é raro ter que gastar mais de meia dúzia de tiros no crânio de um zumbi, às vezes para derrubá-lo apenas, e em alguns casos coisa de dois dígitos para poder matá-lo, como já aconteceu com esse que vos escreve.
Esse fato causou certa estranheza para os jogadores que esperavam um festival de melões estourados, porém ele é completamente justificável se considerarmos o quão mais fácil é acertar qualquer parte desejável do inimigo quando possuímos total controle sobre a mira por conta da perspectiva por sobre o ombro, inclusive a grandes distâncias.
De quebra nos possibilita mirar em membros isolados dos inimigos, culminando em desmembramentos caso haja foco no ataque ali. Aliás tática até mais aconselhável em certos casos já que inimigos impossibilitados de se locomover (leia: tendo as canelas arrancadas a tiros) são mais fáceis de ter que se lidar do que com um zumbi que se recusa a morrer após nove tiros no côco, principalmente na dificuldade mais elevada. Curiosamente essa característica de gameplay assemelha-se mais à da série Dead Space, onde o desmembramento era mais eficaz do que o foco na cabeça do inimigo. Enfim…

Resident Evil 2 Remake Ada
Ada Wong, deixando Leon na friendzone agora em alta definição

Outra coisa bem bacana que a mudança da câmera aprimorou foi o uso do áudio no jogo. Com a câmera fixada, os sons eram impossibilitados de ter sua direção diferenciada. Agora o ambiente é tridimensional, então com o auxílio do áudio binaural em 360°, é possível determinar exatamente onde a próxima ameaça está a espreita ou até mesmo se te persegue, como é o caso dos zumbis que você deixou para trás (sim, agora eles te perseguem por cômodos, arrombando portas) e do nosso amigo Mr. X. Não há nada mais enervante do que escutar suas fortes pisadas pela delegacia a fora, a sua procura.
Com a duração média de 7 horas por campanha (levei quase o dobro disso em meu primeiro playtrough com o Leon, pois explorei o game ao máximo) contando os 4 cenários disponíveis, pode-se afirmar que o jogo não deixa a desejar em se tratando de valor de replay, principalmente considerando o material bônus que conta com modos extras como o 4° Survivor (uma espécie de Time Attack jogado com Hunk, personagem conhecido dos fãs da série) e sua variação Tofu, que basicamente é o mesmo minigame, porém jogado com um pedaço de tofu consciente (sim, só vendo…).
Recentemente foi liberado pela Capcom uma DLC gratuita contendo mais 3 modos extras, jogados com 3 novos personagens. Terminando com cada um deles, mais um novo modo com um novo personagem é liberado. Não diferem muito do 4° Survivor em termos de estrutura (saia do ponto A e chegue ao ponto B vivo, com um inventário limitado), porém servem para apaziguar um pouco a sede dos fãs até o provável anúncio de um Resident Evil 3 Remake. A Capcom já soltou o verbo, declarando que depende dos fãs para que isso aconteça. E considerando a ótima recepção que RE2 Remake obteve, ao que tudo indica, será só uma questão de tempo.

REmatando

    Se não ficou claro até agora, o hype e a longa espera valeram sim a pena. RE2 remake está longe de ser um produto perfeito e sem falhas, mas foi notoriamente produzido por fãs de RE2 para fãs de RE2 e souberam aprimorar cada aspecto utilizando-se da tecnologia atual, sem permitir o detrimento da essência do original, responsável por torná-lo o clássico que foi. Há um pouco de tudo aqui para os fãs de qualquer fase da série RE e se for um fã incondicional do Resident Evil 2 de 1998 como eu, somente uma palavra: indispensável.