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Dá para fazer um review de SRPG sem citar (muito) Final Fantasy Tactics?

 

A resposta é: sim. Digo, é natural que busquemos o maior expoente daquilo quando tentamos estabelecer comparativos básicos. É como se você fosse descrever Red Dead Redemption 2 sendo um “GTA com Cavalos” ou Bayonetta como um “God of War de salto alto”. Eu poderia muito bem deixar o básico aqui e dizer que Fell Seal: Arbiter’s Mark é um “Final Fantasy Tactics sem o orçamento da Square” (ou ainda, dizer que é FFT sem Worker 8) mas a realidade é que o game é muito – muito mesmo – mais do que um Final Fantasy Tactics 2.0 que merecemos.

Conforme você já deve ter percebido, Fell Seal: Arbiter’s Mark é um SRPG – tático (ou seja, movimentação em grids) por turnos – e puxa tantas semelhanças de uma de suas claras inspirações (Final Fantasy Tactics) que a comparação é quase inevitável. Mas SRPGs não se resumem ao Magnum opus tático da Square(soft): FS:AM bebe, direto, do riacho de vários SRGPs e é isso que o faz tão competente e divertido de se jogar.

Dualidade

Embora temos uma trama competente, em termos de narrativa o jogo não é tão brilhante. Previsível em certos pontos e nada surpreendente em outros; aqui, a história funciona como uma cobertura de chocolate para um bolo qualquer: Não é  indispensável e até existem coisas melhores, mas funciona tão bem com a proposta que você decide deixar a cobertura ali mesmo e sequer se incomodar. Isso porque o cast é especialmente carismático e salpicam bem o mundo de Fell Seal: Arbiter’s Mark com essa característica dual de “Bom-embora-ruim” o tempo todo: personagens legais, embora o diálogo seja (extremamente) raso; setting mezzo-steampunk-mezzo high fantasy excelente, embora a trama seja fraca. Mediano-alto, se for para ranquearmos sem uma nota precisa.

Aliás, a natureza dualística de Fell Seal: Arbiter’s Mark é algo que transcende o aspecto narrativo. Graficamente o jogo é muito competente e bonito. Colorido e quase artesanal, a arte do jogo é destoante e meio dual. Mas, colaborando com aquela máxima de que eu vou evitar o tal game da Square ao máximo aqui, o estilo de Fell Seal: Arbiter’s Mark recorda demais Vandal Hearts: in game puxa mais para o lado anime com uma pixel art fabulosa e bem detalhada, mas os retratos que representam seus personagens têm um “que” de arte clássica, bem ocidental – quase pinturas à óleo na tela. Embora as animações e os efeitos sonoros possam ser bem mais trabalhados – porque são muito simplórios e isso até desanima um pouco – o mundo em Fell Seal é vibrante em cores, raças e magia e isso tudo se reflete na paleta de cores saturada (não vai agredir sua vista), belos cenários desenhados a mão, permeados num mundo cujo fino equilíbrio é testado o tempo todo.

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Mecanismos de uma tática de ogre

Mecanicamente, Fell Seal: Arbiter’s Mark é muito centrado. Confesso que passei as horas (não-finalizadas) jogadas muito mais preocupados com o equilíbrio do meu time num sistema de classes que faz o jogo da Square se preparar para um segundo lançamento, enquanto evoca claras características de SRPGs consagrados, como o foco no posicionamento e a letalidade de Hoshigami: Running Blue Earth e o caos estatístico controlado de Disgaea. FS:AM não é um game difícil – mesmo quando se coloca a dificuldade alta – por si só. A AI não apela tanto e, com um conhecimento razoável de jogos táticos, você não é (tão) surpreendido. Mas existem algumas mecânicas que colocam mais camadas na cebola estratégica de Fell Seal: Arbiter’s Mark e fazem você questionar suas decisões o tempo todo.

A primeira mecânica – esta genial – é a mecânica de Injury. Quando um personagem cai em combate ele recebe um Injury que reduz seus status até que você faça uma batalha mas o deixe de fora. Isso, por si só, não é lá um grande aborrecimento, mas as coisas pioram quando você acumula diversas injuries em personagens importantes para a sua estratégia como um todo e precisa deixa-los de fora de combates que podem ser importantes para você! E a mecânica fica ainda mais interessante porque, dado momento, você vai reviver um personagem dentro de um combate e você pode acabar deixando-o morrer novamente e aí, você terá mais DUAS injuries.

A segunda mecânica é a dos itens consumíveis. Diferente de tudo que você já possa ter esbarrado por aí, Fell Seal: Arbiter’s Mark usa um sistema de número de usos ao invés de quantidades estocáveis. É legal por um lado, afinal faz você ser mais cauteloso e, ao mesmo tempo, deliberado com o uso de itens (ao invés de simplesmente não usar um item – estou falando com você, Megalixir); mas por outro lado deixa os itens numa posição de homogeneidade bem desconfortável: Os itens que deveriam ser básicos passam a ter um caráter mais raro e os raros ficam banais. Essa mecânica se agarra bem ao sistema de crafting do jogo, motivo pelo qual você vai amar o Ranger e perder horas e horas farmando aquele componente que falta para um item, gadget ou arma fodona.

Por fim, temos as classes. Tudo nelas, desde seu aspecto mais nada ortodoxo, aos nomes e habilidades, é um refresco ao sistema que, sozinho, não é uma novidade – mas aqui são um espetáculo a parte. Os papéis delas em combates são bem claros e isso evita que se perca tempo “upando” uma classe à toa – e algumas tem mecânicas bem interessantes. O game também possui classes secretas, classes únicas e toda a sorte de coisas que se espera de um sistema de classes. A coisa mais legal disso tudo é que o game pode ser completo sem se importar muito com isso – mas quando se importa, é um outro jogo. A mecânica de Reset Level – idêntica ao que se vê com o Reincarnation em Disgaea – faz com que você volte para o nível 1, retendo atributos, skills e classes desbloqueadas. Os níveis de customização do game são beiram o absurdo e há possibilidades de composições bem interessantes, já que além da classe básica, você pode como em Ogre: Tatics equipar quaisquer habilidades de outras classes que tenha desbloqueado no personagem.
Conclusão

Fell Seal: Arbiter’s Mark é um adendo excelente para os fãs de SRPGs que estavam sentindo falta de um carinho com o gênero. Embora tenhamos mais representantes no PC, os consoles – em especial nesta geração – não estão exatamente bem servidos de games assim. Não joguem achando que é a oitava maravilha do mundo – muito menos do gênero – mas é confortante ver o esmero e carinho colocados no jogo e, sem sombra de dúvida, vale a pena.

MECÂNICA – 9
AUDIOVISUAL – 8
NARRATIVA – 7,5
TOTAL: 8,1