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“Read it, boy!” – por Leon Cleveland

Independentemente do que você passou na vida no que tange sua questão familiar, pai e mãe são sempre assuntos sagrados. Diversas vezes vimos as figuras paternas e maternas sendo colocadas em inúmeros contextos e posições, mas no fim elas sempre são a mesma coisa: A mãe sempre é a mãe e o pai sempre é o pai. Mesmo em God of War.

imagens capturadas via PhotoMode pelo próprio redator

Então, mesmo num contexto de um (ex?)Deus da Guerra em autoexílio nas friacas nortenhas, pai é sempre pai. Amor e carinho do jeito estoico e turrão, mas porque sabe que precisa sobretudo preparar sua cria para a vida. “Focus boy”, “Keep your expectations low and you will not be disappointed”, “boy, remember your training” – são frases que eu ouvi e me senti sendo aconselhado pelo próprio Kratos durante a narrativa emocionante e tocante de God of War. Essa não é uma história sobre como o Matador de Deuses Gregos continuou sua vida após limpar panteão helênico; essa é uma história sobre como um homem que errou na vida e agora encontrou relativa paz quer que seu filho não tenha que passar pelo mesmo sofrimento – mas passar pelo mesmo aprendizado. Essa não é uma história sobre como os deuses Nórdicos Baldr, Týr, Thor, Odin, Freiya e tudo mais, são grandes bastiões da moral; é uma história sobre como mesmo seres detentores de muitos poderes ainda são possuidores de sentimentos humanos: ira, cobiça, inveja. Medo.

Atreus e Kratos formam, indiscutivelmente, uma das maiores duplas que qualquer mídia popular já tenha concebido – ficando nos encalços de Batman e Robin. A dinâmica multifacetada de “pai e filho”, “mentor e aconselhado”, “mestre e aprendiz” fica muito evidente durante a jornada. Redescoberta e autodescoberta são palavras constantes que, mesmo não sendo citadas nem uma única vez pelas pouco mais de 30 horas que passei com o jogo, provocou esse tipo de pensamento em mim. O aspecto narrativo de God of War é sem dúvida um dos seus maiores pontos positivos, mas ele não passa impune, pois o ritmo desta narrativa é um pouco confuso por vezes. Atreus, embora seja uma criança, passa de um obediente garoto para um desrespeitoso moleque em questão de minutos – é de um ato para o outro. Isso tira um pouco do brilhantismo da já citada dinâmica multifacetada.

imagens capturadas via PhotoMode pelo próprio redator

Mas, só um pouco: God of War é brilhante em como expõe a relação entre Kratos e Atreus. O combate por exemplo, é um assunto que precisa ser abordado em um parágrafo só seu, pois é extremamente importante para a série – mas aqui é um recurso narrativo fortíssimo. O entrelaço e as capacidades de Atreus e Kratos, enquanto crescem e expandem em possibilidades, mostra também como a dupla conversa melhor entre si ao longo do tempo e da

história. Ataques em dupla serão uma constante depois de um tempo, mas só depois de um tempo, uma vez que Atreus ainda não está 100% confiante de suas habilidades no começo do jogo e só vai atacar, por exemplo, caso você incapacite um inimigo antes.

Aliás, que fique claro que o combate e as mecânicas em God of War são, tranquilamente, as mais afiadas e precisas da série até agora. É curioso ver que até nisso Kratos amadureceu: Antes um espartano raivoso, barbárico, que atacava sem pensar muito enquanto o botão quadrado era apertado repetidademente e víamos as Blades of Chaos agitarem-se em sangue e fogo; agora vemos um combate mais calculado – ainda rápido, cheio de possibilidades para combos e tudo o mais – mais comedido. Esquiva, bloqueio, inimigos que são imunes e resistentes a uma arma ou outra… o combate é muito mais estratégico em God of War com Kratos pai do que com o Fantasma de Esparta. Nem sempre a porradaria acéfala é a resposta no combate e game forçará você a pensar em abordagens diferentes para cada um dos combates que você encara.

O elemento de RPG é forte no jogo e determinante, por horas. Equipamentos devem, acima de tudo, estarem em total sintonia com o que você deseja de jogo para si. Prefere descer machadada na cabeça de draugr? Pegue equipamentos com mais força e vitalidade. Gosta das magias? Cooldown e Rúnico serão seus principais domínios aqui enquanto uma certa dupla de armas faz um retorno triunfal no que talvez seja o intertexto mais impressionante em God of War.

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imagens capturadas via PhotoMode pelo próprio redator

E, enquanto Mimir, Kratos e Atreus navegam no bote pela lindíssima Midgard, rica em histórias, detalhes e cores, vemos o trabalho excepcional de Santa Monica Studios aqui. A arte desse jogo é nada menos que impressionante. As paisagens nórdico-fantásticas são tão bonitas que devo ter perdido mais tempo fotografando-as do que propriamente jogando o game. O trabalho é muito bem feito e me fez pensar, demais, como eles conseguiram colocar tanta beleza e detalhe em (relativamente) tão pouco espaço. A forma como a dureza violenta antiga de Kratos – esbranquiçado, vermelho e de expressões duras, ainda que remetente ao helenismo – conversa com a beleza natural, selvagem e simples de sua nova realidade nórdica (aqui personificada em Atreus, no machado Leviathani e em Midgard) é excepcional! Não existe uma única paleta de cores utilizada como guia, porque Midgard é um mundo extremamente – como já dito antes, mas não canso e nem vou cansar de me repetir – rico em referências, momentos e histórias. Mimir conta as principais lendas sobre os Deuses, enquanto navegamos pelo lago e vemos Jormungandr, a Serpente do Mundo, calmamente existindo por ali em sua imponência titânica. É uma sensação que beira o esquisito e o impressionante de forma agradável.

E o que mais impressiona no audiovisual é que Midgard não é o único lugar a visitarmos. Diferente das misturas de Midgard, os outros reinos tem suas linha-guia bem definidas Alfheim e seus tons de rosa e púrpura, o flamejante carmesim e escarlate de Muspelheim, a depressão cinza de Helheim. Um indiscutível espetáculo audiovisual ornado na belíssima trilha sonora que, inclusive, serve de pano de fundo para este que lhes escreve. Cadência e ritmos certos, com a notas da trilha da trilogia original fundidas com a orquestração do novo momento de Kratos, fazem com que a experiência seja ainda mais emocionante.

Um épico em três atos. Sobre como é ser um Deus e ter a chance de proteger alguém de um destino que, supostamente, está atado ao fardo divino. Um mundo onde Deuses são seres humanos elevados a enésima potência, seja para as boas ou péssimas características. Uma tocante história de um pai que está tendo uma segunda chance, um filho que está crescendo e percebendo o mundo a sua volta e um mundo que ruma à “destruição inevitável”. Uma obra de arte, rica e cores e sons, que conta a passagem de um exilado guerreiro grego para se redimir de um passado que machuca a somente si.

God of War é isso tudo. Mas a realiade é que é um jogo sobre Pai e Filho. Sobre construir laços delicados como seda e fortes como aço. Uma obra-prima de como todo pai, por mais durão e sisudo que possa ser, é de todo e puro amor. É uma história de amor entre o amor mais belo que existe, na nada isenta e 100% tocada opinião de quem está escrevendo: O amor de um pai e seu menino.

 

Mecânica – 10

Narrativa – 10

Audiovisual – 10

NOTA FINAL – 10