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Por Samuel R. Auras

Uma análise imparcial é algo utópico. Simplesmente não existe. Qualquer análise de videogame, filme, livro ou de qualquer produto de mídia ou artístico depende das opiniões e impressões pessoais de quem tá escrevendo. Se você veio aqui procurando uma análise imparcial de Mortal Shell, não é isso que você vai encontrar. Aqui está praticamente um desabafo de um fã de Dark Souls, que acompanha a série desde seus primórdios em Demon’s Souls, e que já jogou muita coisa inspirada, desde ótimos exemplos (Salt and Sanctuary é um favorito pessoal) até outros nem tanto (como o já manjado Lords of the Fallen). Ou seja, durante todo o texto a seguir eu vou, sim, comparar Mortal Shell com a série Souls. Não tem como ser diferente.

Mortal Shell prometia bastante. Uma equipe pequena fazendo seu melhor para entregar uma experiência inspirada em Dark Souls, mas com seus próprios temperos nas mecânicas, no mundo, no visual. Eu acompanhava cada update de Mortal Shell com atenção. Cada trailer, cada nova notícia, cada prévia. Era tudo muito promissor. “Finalmente, um jogo que não é da From Software conseguirá entregar o clima de exploração e combate de Dark Souls!”, uns diziam. E eu acreditava – tudo parecia ótimo.

No dia do lançamento, coloquei o despertador para me acordar de madrugada, pra jogar assim que o jogo ficasse disponível. Fiz isso com poucos jogos na vida – Dark Souls 3 foi um deles, joguei da 1 da manhã até às 6, quando finalmente precisei parar e sair para trabalhar, afinal, era um dia no meio da semana. Acordei empolgado, coloquei Mortal Shell pra rodar, e as primeiras impressões são legais. O tutorial lembra muito Demon’s Souls e Dark Souls, com uma área cheia de névoa, toda misteriosa, e com o mesmo truque presente nos dois primeiros Souls – um chefão praticamente impossível de derrotar na primeira vez, que está ali pra te ensinar alguma coisa sobre o jogo. Em Demon’s Souls, morrer para o Vanguard te ensina que a morte te leva para o Nexus, e avança a história. Em Dark Souls, morrer para o Asylum Demon te ensina que esse não é um jogo de porrada, mas de estratégia, e, naquele momento, a melhor estratégia é fugir por um corredor lateral e se equipar para voltar ao combate melhor preparado. Em Mortal Shell, morrer para o chefão do tutorial te ensina que… Te ensina que Mortal Shell vai tentar ser Dark Souls em todos os cantos do jogo, mas sem entender o que torna Dark Souls tão bom. Afinal, se Demon’s Souls e Dark Souls tem chefões virtualmente impossíveis de derrotar na primeira vez que você joga, temos que fazer igual em Mortal Shell, certo? Certo?

Então começa o jogo e você é colocado em um mundo tão, mas TÃO mal planejado, que é difícil descrever. Só jogando pra entender (mas não faça isso). A primeira área de Mortal Shell, que serve de “hub” para o jogo (pense em Firelink Shrine em Dark Souls, uma área central que interliga o resto do jogo inteiro), é tão mal feita que dói. Ela é excessivamente confusa, não tem referências visuais, e te mostra vários caminhos distintos sem qualquer indicação de onde eles levam. Novamente, vamos pensar em Dark Souls. Dark Souls não conta com um mapa, mas ele não é necessário, porque Firelink Shrine fala por si só. Você SENTE que está indo para um caminho perigoso demais se por acaso resolver se enfiar nas Catacumbas no início do jogo, afinal, logo na entrada você é cercado por vários esqueletos que não permanecem mortos. Isso é o jogo te dizendo “ei, o caminho não é esse” sem precisar realmente falar. O jogo te leva para a direção certa sem precisar dizer uma palavra ou sem precisar colocar uma bússola indicando o caminho. Já em Mortal Shell, o jogo não tem mapa simplesmente porque Dark Souls também não tem, mas acho que Mortal Shell esqueceu que precisa ter um level design competente pra isso.

Sinceramente, já estou até um pouco cansado de escrever sobre esse jogo. Este é o sentimento também enquanto eu jogava, depois de pouco tempo já estava cansado. O combate é fraco, e a nova mecânica de “endurecimento” – que substitui a defesa – é completamente superpoderosa depois que você aprende a usá-la. É realmente difícil morrer para qualquer chefão depois de aprender a jogar esse jogo. Contra o penúltimo chefão do jogo, meu HP nunca caiu pra menos da metade e eu o derrotei de primeira. E não é porque eu jogo bem não, mas sim porque o jogo não te coloca em situações diferentes e difíceis. Depois de dominar a mecânica de endurecimento, que é em volta da qual gira todo o jogo, você fica realmente imortal.

Customização nesse jogo é praticamente inexistente. Você tem, à sua disposição, QUATRO armas e QUATRO “armaduras” – as “Shells” do jogo. As Shells são corpos que você habita – na prática, são quatro personagens que você pode escolher jogar. Cada um tem suas árvores de habilidades, mas elas são tão sem graça… Não é legal evoluir o personagem, e o jogo te incentiva, através da maneira que a evolução é feita, a focar completamente em um personagem e abandonar os outros, então se você escolheu começar a jogar com um e, na metade do jogo, quer tentar outro, boa sorte, porque vai estar completamente fraco, do zero.

O level design das áreas além da central é risível. Pense em Dark Souls 2, versão original, só que pior. São mapas sem graça, com inimigos esperando atrás de cada parede pra te emboscar – e isso acontece TANTAS vezes que irrita e perde a surpresa. Pelo menos os inimigos são burros, porque a inteligência artificial é péssima, e o alcance de agressividade deles é super baixo, então você pode caminhar 5 metros na frente de um inimigo e ele vai ficar paradinho te esperando – o que torna extremamente fácil “puxar” os inimigos um por um, deixando o jogo bem menos desafiador e bem mais chato de jogar.

Mas a melhor parte da série Souls/Borne é o multiplayer! Com certeza Mortal Shell, um jogo tão inspirado na série, vai ter um multiplayer super bem trabalhado. Só que não. Mortal Shell é single player, e não conta com interação nenhuma entre jogadores.

A parte técnica, visual e sonora é mediana. Visualmente, o jogo não é feio mas também não é bonito. Tecnicamente, o jogo não tem bugs que quebram completamente a experiência, mas tem pouca atenção aos detalhes. Os efeitos sonoros são legais – provavelmente a melhor parte do jogo, os sons de espada batendo em metal, dos inimigos, é tudo bem feito – mas a trilha sonora é inexistente. Aliás, foi uma sacanagem o que fizeram, colocando um METÁU SATTÂNIKO no trailer de lançamento – eu esperava ouvir algo naquele estilo no jogo, e acabei ouvindo… nada. Depois de certo tempo liguei o Spotify e botei pra tocar uma playlist de Death Metal, o que melhorou um pouco a minha experiência, devo dizer.

Por último, a história. Que história? Dark Souls e Bloodborne colocam a história na descrição dos itens, nos diálogos dos personagens, e, principalmente, no MUNDO do jogo. Você anda por Anor Londo em Dark Souls e vê a história do jogo ali, estampada na arquitetura, nas estátuas, nas pinturas. Você caminha por Byrgenwerth (mesmo tendo jogado Bloodborne mais vezes do que consigo lembrar, nunca conseguirei escrever esse nome sem pesquisar antes) e vê o que houve em Bloodborne. Em Mortal Shell… Eu sinceramente não faço ideia do que aconteceu, nem porque eu fiz o que fiz, passei por onde passei, derrotei os chefes que derrotei. Sabe aquele sentimento de “PQP, o Artorias!”, ou “Caraca, o Ludwig”, ou o frio na espinha que você sentiu quando ouviu o “plim plim plom” de Gwyn pela primeira vez? Sabe aquele momento que você tá no final de Dark Souls 3, entra em uma arena de chefe e encontra o filho perdido de Gwyn montado em um dragão e, depois de ter jogado a série inteira, entende a gravidade da situação? Nada em Mortal Shell chega nem perto.

Enfim, como eu disse no começo, essa não seria uma análise imparcial. O jogo não é tão ruim quanto eu possa ter feito parecer. Não é tecnicamente quebrado, o combate funciona (apesar de ser chato), e o jogo é tão curto que quando você tá começando a ficar irritado ele acaba do nada (dura umas 15 horas no primeiro playthrough). Mas é sem dúvidas uma grande decepção. Prefira jogar Dark Souls ou Bloodborne pela décima sétima vez.

Narrativa: 5,0

Mecânica: 5,0

Audiovisual: 5,0

MÉDIA: 5,0